terça-feira, 6 de agosto de 2013

Gênero e (des)igualdade na ciência

Todo mundo concorda que não existe sentido no argumento ‘homem é melhor do que mulher’, certo? Se você discorda, nem se dê ao trabalho de ler esse texto. Caso contrário, te convido a pensar comigo em possíveis fatores que levaram a situação da mulher na ciência (mais especificamente na física) nos dias de hoje.
Não sou nenhuma especialista no assunto e para ser sincera nunca tinha parado para pensar seriamente nisso até resolver escrever esse texto, mas sempre que me perguntavam se eu já tinha sofrido algum tipo de preconceito por ser mulher na física, eu sempre respondia prontamente que não. Mas esses dias aconteceu uma situação boba e que já tinha acontecido antes, no entanto a diferença é que dessa vez eu já havia lido um tanto sobre a situação das mulheres na vida acadêmica e estava com isso na minha cabeça e pensei “aaaaaah, era disso que eles estavam falando então!”. Resumindo a história, eu tinha uma reunião e um seminário para assistir, e posteriormente eu iria a um aniversário e não daria tempo de passar em casa. Como qualquer mulher faria, pensei em ir mais bem arrumada e maquiada, mas logo que me troquei e ia sair de casa me senti desconfortável. Pensei, “cara, não dá pra ir assim pra física!”. E foi nesse momento que passou um monte de coisas na minha cabeça para tentar entender porque eu me senti daquela forma. Parece idiota mas acho que tem muito mais coisa por trás e é uma situação mais frequente do que imaginamos. A verdade é que eu acho que é tão comum que nem paramos mais para pensar.
Já aviso que esse texto vai ser longo, mas vou tentar jogar várias ideias que eu li e que pensei sobre o assunto. Possíveis motivos, especulações ou experiências pessoais. Minha intenção não é trazer nenhuma verdade, apenas questionar e fazer com que as pessoas pensem sobre o assunto.
how_it_works
How it works, xkcd
Então vamos começar do começo. A primeira coisa a se pensar é porque já na graduação temos menos mulheres do que homens. O desinteresse das mulheres pela física já aparece desde o colégio e a questão, ao meu ver, é cultural. Muitos pais ainda tem uma visão preconceituosa do que é uma profissão de “mulher” e o que é uma profissão de “homem”.  O acesso das mulheres em instituições de ensino só veio a partir do final do século XIX em grande parte devido ao movimento feminista. Este, foi importante por levantar a questão do posicionamento da mulher na sociedade e voltar a atenção para sua condição como cidadã, independente do gênero. Mas se você for pensar, quantas gerações são necessárias para uma transformação completa de pensamentos e atitudes? A mudança cultural vem aos poucos, mas se pensarmos em um período longo, vemos que a participação das mulheres aumentou significativamente. Por outro lado, o estereótipo de um cientista permanece associado à imagem masculina. A imagem de físico que vem na cabeça de qualquer um é um velhinho descabelado com a língua de fora, ou mais recente, um maluco com vários transtorno obsessivo compulsivo, fobia social, arrogante e homem, vulgo o Sheldon. De qualquer forma é com essa imagem que somos expostos e sem referências femininas na ciência é difícil impulsionar uma mudança. Uma das poucas que ouvimos falar no colégio é a Marie Curie, principalmente porque nessa etapa do aprendizado ficamos presos na ciência de uma época um tanto quanto difícil para a ridícula minoria de mulheres cientistas. Mas pensando nessa questão da imagem do cientista, o que poderíamos fazer para mudar esse panorama? Será que é algo que pode ser feito com a ajuda da mídia ou nas escolas? É algo mais profundo que necessita de uma quebra de paradigma que ainda levará gerações para acontecer?
Figuras importantes na ciência. Quem você reconhece?
Figuras importantes na ciência. Quem você reconhece?
Passando adiante, durante a graduação e pós-graduação entram outros motivos que influenciam a desistência das mulheres uma vez que já foi superada a barreira inicial de preconceito frente a sociedade em uma profissão vista como predominantemente masculina. Colocando em linhas simples um problema complexo, vamos analisar duas possíveis situações. A primeira é a mulher que quer garantir estabilidade financeira antes de ter filhos. Na física você precisa de 4 anos de graduação, 2 anos de mestrado, 4 anos de doutorado e mais uns 4 anos de pós-doutorado, para depois ser capaz de prestar concursos e tornar-se professora/pesquisadora de uma boa universidade. Veja, que esse é o melhor cenário possível, ou seja, a estabilidade só vai vir com 32 anos ou mais (considerando alguém que tenha entrado na faculdade com 18 anos). Agora, mesmo com a estabilidade como a vida profissional é afetada com um filho? Bom, mesmo alguém que tenha um parceiro que ajude, certamente terá suas viagens à congressos reduzidas e seu sono e cansaço podendo afetar sua produtividade. Mas te garanto, que no final ninguém vai ver nada disso e a análise do seu desempenho vai ser rebaixada a um número apenas. Veja, um pai pode estar sujeito as mesmas coisas, de forma que ele também pode ter sua produtividade afetada e vai ser comparado com alguém que não passou pela mesma situação. O que eu quero dizer é que a vida acadêmica é hostil tanto com homens quanto com mulheres que optam por ter uma família. Claro não estou dizendo que não é possível, apenas que é difícil e não existe um suporte para tal.
A segunda situação é a mulher que tem filhos no meio do percurso, isto é, antes de ter um emprego fixo em uma universidade. A vida de bolsas de estudo na pós-graduação não dá direito a muita coisa e seu prazo é fixo, por exemplo, você vai ter 4 anos de bolsa de doutorado não importa o que acontece no meio. Mais uma vez, é como se um filho fosse um peso pra quem escolhe a carreira acadêmica nas vista de toda comunidade (colegas de trabalho, agências de fomento, a universidade, etc ) que vai julgar a produtividade daquela mulher. Ou seja, constituir uma família não é algo natural e sim visto como um obstáculo. O quanto isso afasta as mulheres da profissão? Quantas desistem no meio caminho por conta disso? Quantas deixam de chegar mais longe na profissão por terem se “atrasado” na carreira por conta dos filhos?
Agora vamos supor que você seja uma mulher que tendo consciência de todas essas questões e aceitando tudo isso, conseguiu superar os obstáculos e seguiu em frente na carreira acadêmica. Bom, ainda tem mais porque o conflito não é apenas você contra o mundo. Você tem que superar as próprias barreiras e preconceitos, afinal você ainda assim é parte desse mundo machista e cresceu sob os mesmos paradigmas. Assim, de certa forma acabamos mudando nosso comportamento para buscar aceitação e inclusão no grupo predominantemente masculino. Isso implica tentar se “camuflar” para não chamar atenção para o fato de ser uma exceção naquele meio. Isso mostra o começa do meu texto e porque queremos evitar atenção para o físico. Você quer evitar que duvidem da sua capacidade por atributos físicos ou comentários machistas do tipo “ela só conseguiu isso porque tem peitos”. De certa forma, queremos nos encaixar no estereótipo de cientista bem sucedido – de novo, um velhinho com cabelos brancos – para sermos levadas a sério. Precisamos provar o tempo todo que somos capazes e lidar com o machismo que normalmente está encoberto em “brincadeiras”. Uma piadinha de mau gosto sobre loiras, ou sobre alguma professora ou sobre aquela menina que tirou 10 na prova mas anda de saia curta. Mas é tudo “brincadeira” e perceba que não são apenas os homens que fazem isso com as mulheres, mas elas mesma tendem a concordar e aceitar isso. De qualquer forma, como essa situação transforma como as mulheres naquele meio se veem? Como isso reflete no seu desempenho e confiança? Ela passa a se ver espelhada nesse comentários e com o tempo isso afeta seu comportamento?
Seguindo na carreira acadêmica,existe um ponto que os contatos que você faz e conversas no corredor ou fora da sala de reunião passam a ser determinantes e aí surge uma diferença clara se você é homem ou mulher. Não é algo exclusivo do meio acadêmico mas uma consequência e amostra da sociedade sexista que vivemos. Suponha que você é homem e seu orientador (ou um professor importante) te chame para tomar uma cerveja, ver um jogo de futebol ou jantar depois do trabalho. Normal, né? Agora suponha que você seja mulher e o mesmo aconteça. Estranho, né? O que as outras pessoas vão pensar? Será que vão achar que ele está dando em cima de você ou o contrário? Então, até que ponto, essa exclusão mesmo que involuntária afeta a carreira das mulheres a longo prazo?
Outro ponto, é que mesmo dentro da carreira existe uma hierarquia de áreas. Algumas são predominantemente masculina, outras tem um pouco mais de mulheres. Parece que é um análogo da vida no colégio onde meninas devem gostar de história e meninos devem gostar de matemática. Só que agora, meninas devem gostar de física aplicada e meninos de física teórica (curiosamente estou em um congresso com uma professora e quatro alunas entre 60 pessoas). Enfim, nada mudou. Crescemos e amadurecemos mas os preconceitos e tabus continuam enraizados de alguma forma em nosso comportamento.
Veja que muitos dos exemplos que apontei existem na sociedade em geral e não são exclusivos do meio acadêmico,o que mostra que ainda vivemos em um mundo machista. E não é apenas culpa dos homens, nós mulheres temos esse pensamento de alguma forma em nós devido a nossa formação e a tudo que somos expostas. Acho que o primeiro passo para qualquer mudança é admitir que o problema é real e existe. Sim, os homens agem de maneira diferente com as mulheres dentro da carreira e isso reflete em diversos aspectos que ditam seu sucesso ou fracasso. E sim, nós mulheres em muitos momentos nos colocamos em uma situação submissa. Aceitamos brincadeira e nem sempre nos unimos quando outra mulher sofre algum tipo de julgamento sexista. Acabamos nos acostumando e ficando acomodadas no nosso dia-a-dia porém, indiretamente somos afetas pela falta de confiança, pelos obstáculos e dificuldades, desistindo ao invés de entender os motivos e incitar uma mudança. Meu objetivo com esse texto não é propor soluções imediatas e ações efetivas para uma transformação desse cenário, mas quero mostrar que esse assunto de certa forma é um tabu e não é falado diretamente. Talvez leve gerações para atingirmos uma real igualdade, mas a conscientização do problema é o primeiro passo. Certamente na próxima vez que perguntarem se sofro preconceito na física por ser mulher, minha resposta vai ser mais complicada que apenas um não.
Uma lista de referências sobre a questão das mulheres na ciência e que usei para escrever esse post:
Fonte: 

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